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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Décima segunda viagem)

POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Décima segunda viagem)

Rangel Alves da Costa*


Como se não bastassem os fatos e episódios fantásticos que parecem somente ocorrer no sertão, o realismo fantástico que torna aquelas paragens num mundo verdadeiramente diferente, de vez em quando surge elementos novos para aguçar ainda mais a curiosidade do sertanejo e testar seu poder de compreensão sobre a realidade. Mas não pode ser, será mesmo que isso é verdade? De vez em quando têm de se perguntar.
Fato é que já há alguns anos surgiu um boato de que tanto as terras de Poço Redondo como as do município vizinho, Canindé do São Francisco, não seriam das inúmeras famílias, proprietários e assentados que nela vivem como verdadeiros donos, porque compraram ou adquiriram por outros meios, ali construíram e vivem, mas sim de uma única família: a família Marinho, formada pelas herdeiras Adélia Ferreira Marinho e Luzia Ferreira Marinho, afirmando terem adquirido por herança toda a aquela imensidão de terras. Mas vamos aos fatos.
Há mais de 40 anos que as herdeiras, senhoras já idosas e de poucos recursos, começaram uma briga na justiça para verem reconhecidas as terras deixadas como herança por seu pai, Amâncio Ferreira da Silva, que as adquiriu de Francisco Correia de Brito em 1947. O problema é que tal herança envolve todas as terras que formam os municípios de Poço Redondo e Canindé do São Francisco.
Como fundamento fático do pedido da ação, "As demandantes dizem-se proprietárias, por herança, de parte das terras então integrantes do "Morgado de Porto da Folha", terras essas que constituiriam um imóvel individualizado cuja área seria de impressionantes cento e noventa e três mil e quinhentos hectares" (ver sentença a seguir).
Na audiência judicial, realizada às 08h30m. do dia 31/08/2006, na 6ª Vara Federal de Itabaiana/SE, a requerente Adélia Ferreira Marinho prestou o seguinte depoimento pessoal:

"QUALIFICAÇÃO: ADÉLIA FERREIRA MARINHO, brasileira, do lar, separada judicialmente, RG nº 247.546 SSP/SE, CPF 294.555.705-30, residente e domiciliado na Rua Carlos Menezes de Faro, nº04, Conjunto Augusto Franco, Aracaju/SE. (...) que as terras em questão foram adquiridas pelo seu pai na década de quarenta, que por sua vez faleceu em 1952; que o processo de inventário só veio a terminar quando a depoente contava com dezessete anos; que nesse período passaram a se emitir escrituras públicas falsas em relação a área que então seu pai havia adquirido; que as áreas desapropriadas pelo INCRA correspondem a porções de terra que teriam sido transferidas por essas escrituras falsas a terceiros; que a depoente tomou conhecimento da primeira escritura falsa em 1965, época em que levou os fatos ao jornal GAZETA. (...) que só havia cerca de trezentas tarefas nas terras que pertenciam a sua família. (...) que a própria depoente informou ao INCRA sobre as irregularidades nas escrituras quando dos processos de desapropriação; que o INCRA não se dispôs a resolver administrativamente o problema; que o superintendente do INCRA à época era Manuel Hora. (...) que a escritura original das terras teria sido subtraída de autos de processo que a própria depoente moveu em 1959, na Comarca de Porto da Folha; que o INCRA cobrava o ITR tomando como base de cálculo toda a área da propriedade; que sua mãe nunca declarou área menor para efeito de reduzir a base de cálculo do ITR; que por fim esclarece a depoente que ela própria levantou a existência de 1726 propriedades decorrentes de escrituras falsas em 1980".

Compradas por cinco mil cruzeiros por seu pai, à época da realização do negócio jurídico só havia abandono e mato em toda a região, e de vez em quando se encontrando apenas uma propriedade ou outra, segundo alegaram os herdeiros. Com o falecimento do comprador, assim que a família procurou abrir o procedimento do inventário alguns documentos, não se sabe por quais motivos, foram adulterados por cartórios da região. Sobrou apenas uma certidão que atesta a existência para a escritura dos terrenos. Com base nesse documento é que a família conseguiu entrar na Justiça.
A disputa judicial, que já durava mais de quarenta anos, já foi julgada. O Estado nunca concordou com essa dimensão do terreno mesmo porque são cerca de 195 mil hectares e em valores atuais seriam estimados em R$ 600 milhões, além do que nas terras vivem cerca de 50 mil famílias, estão fixadas centenas de propriedades particulares, indústrias, comércio próspero e também onde está instalada a Usina Hidrelétrica de Xingó. Além disso, toda a história de Poço Redondo e Canindé teria que ser revista e recontada.
Como afirmado, o caso já foi julgado pela 6ª Vara da Justiça Federal de Sergipe. Eis os termos da decisão prolatada, publicada no Diário da Justiça de 13/12/2006 - Boletim 2006.000054:

"Autores: Adélia Ferreira Marinho e Outro
Réu: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. TERRAS DO MORGADO DE PORTO DA FOLHA. TÍTULO DE PROPRIEDADE IMPRESTÁVEL. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE REFERÊNCIA À ÁREA, À LOCALIZAÇÃO E ÀS CONFRONTAÇÕES. APOSSAMENTO PELO PODER PÚBLICO NÃO DEMONSTRADO. PRESUNÇÃO DE VALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. EXISTÊNCIA DE FEITOS EXPROPRIATÓRIOS, PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA, ACOMPANHADOS DESDE 1985/1986 PELO PODER JUDICIÁRIO FEDERAL E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. COMPLETA AUSÊNCIA DE PROVA ACERCA DE SUPOSTOS EQUÍVOCOS NA LIBERAÇÃO DAS RESPECTIVAS INDENIZAÇÕES. IMPROCEDÊNCIA.

- SENTENÇA -

Sob a égide do processo de conhecimento, sob o rito ordinário, Adélia Ferreira Marinho e Luiza Ferreira Marinho deduziram pretensão em face do INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, com o escopo de obter indenização por danos materiais e morais.
Em suma, alegaram o seguinte:

a) São legítimas proprietárias, por sucessão hereditária, da última parte do imóvel rural denominado "Morgado de Porto da Folha", cuja área corresponde a 193.500 (cento e noventa e três mil e quinhentos) hectares, abrangendo os municípios de Poço Redondo e Canindé do São Francisco;
b) As terras foram adquiridas de Francisco Correia de Brito em 1947 pelo pai das autoras, Amâncio Ferreira da Silva;
c) Em razão de dificuldades financeiras, apenas parte ínfima da propriedade foi declarada para fins tributários;
d) O INCRA, deu causa ao apossamento administrativo do imóvel, pois indenizou terceiros - que não seriam os verdadeiros proprietários - ao promover diversas ações de desapropriação para fins de reforma agrária acerca da área compreendida no imóvel das postulantes;
e) Por conseqüência, entendem devida indenização pelos danos materiais, lucros cessantes e danos morais daí decorrentes.

Citado, o INCRA respondeu por meio de contestação e aduziu, em suma, que as autoras não demonstraram a efetiva condição de proprietárias.
Conforme sustentou, o título anexado à inicial seria nulo, pois fere os princípios da especialidade - ao não especificar a localização do imóvel - e o da continuidade - por não observar a cadeia sucessória dominial.
Demais disso, ressaltou que os procedimentos de fiscalização agronômica que realiza são sempre instruídos com o levantamento exaustivo da propriedade junto aos registros imobiliários.
Por fim, afirmou que as autoras jamais exerceram a posse sobre o pretenso imóvel.
Apresentou documentos de fl. 94/98.
Houve réplica reiterativa.
Na fase de instrução, foram carreadas cópias de processos administrativos instaurados pelo INCRA (fl. 118/257), colhendo-se, em seguida, o depoimento pessoal de Adélia Ferreira Marinho.
As partes reafirmaram o antagonismo quando dos respectivos memoriais.
Ouvido, o MPF opinou pela improcedência do pedido.
Tenho por relatado. A seguir, fundamento e decido.

INTERVENÇÃO DO MPF

O pedido de indenização advinda de desapropriação indireta, de ordinário, estampa contornos meramente patrimoniais, reduzindo-se à espécie do gênero responsabilidade civil do Estado.
Nessa conformação usual, é cediço, o ordenamento jurídico não reclama a presença do Ministério Público, porquanto sua missão não reside na defesa judicial das entidades que compõem o aparelho administrativo.
Nesse sentido, tranqüila a jurisprudência:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - AUSENTES OS PRESSUPOSTOS DO ART. 82 DO CPC - DESNECESSIDADE - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA EM RAZÃO DE ATUAÇÃO CONCORRENTE - POSSIBILIDADE - PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA - DOMÍNIO ÚTIL - INDENIZAÇÃO REDUZIDA - POSSIBILIDADE - BENFEITORIAS DE TERCEIROS - INCABÍVEL INDENIZAÇÃO - JUROS COMPENSATÓRIOS - SÚMULAS 618/STF E 345/STJ - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS REGULARMENTE FIXADOS - 1. A intervenção do Ministério Público, não sendo obrigatória dispensa intimações posteriores. Precedente. 2. Tendo a União, denunciada à lide, concorrido para o dano experimentado pelo autor, cabível sua condenação solidária. 3. O prazo prescricional, na desapropriação indireta, é vintenário e começa a fluir a partir do esbulho. Precedentes deste Tribunal. 4. Tendo o expropriado somente o domínio útil do terreno, razoável a limitação da indenização em 60% do valor apurado na perícia. 5. Incabível indenização por valorização do imóvel em razão de obras públicas e benfeitorias promovidas por terceiros. 6. Nas desapropriações indiretas os juros compensatórios são devidos à taxa de 12% ao ano (Súmula 618 do STF) e devidos desde a perícia, se esta atribuiu ao imóvel valor atualizado à data do laudo (Súmula 345 do STF). 1. Honorários advocatícios fixados em conformidade com o § 4º do art. 20 do CPC. Impossível sua majoração. 7. Aplicável à espécie o art. 15-B da MP 1.901-31, de 26 de outubro de 1999, que alterou o termo a quo dos juros moratórios para "a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito", nos termos do art. 100 da Constituição. Precedentes desta Turma. 8. Recurso do MPF não conhecido; recurso do Estado do Maranhão conhecido parcialmente e improvido; recursos da União e da parte autora conhecidos e improvidos; remessa oficial parcialmente provida. (TRF 1ª R. - AC 200101000364714 - MA - 4ª T. - Rel. Des. Fed. Carlos Olavo - DJU 06.12.2004 - p. 59).

Aqui, porém, constatam-se aspectos diferenciais relevantes.
Tomada a tese encampada pelas autoras, teríamos, no caso de procedência, repercussão mediata sobre algo em torno de trinta e sete ações de desapropriação para fins de reforma agrária, distribuídas desde 1985/1986.
A área rural, objeto do presente litígio, supostamente abrange todas as propriedades abarcadas pelos referidos feitos; alega-se grave desvio de atuação/ineficiência por parte do INCRA; os recursos públicos envolvidos são de magnitude considerável.
Assim, acompanhando o MM. Juiz Federal Maximiliano Cavalcanti, que me antecedeu, entendo ser cabível a participação do MPF por vislumbrar a caracterização de interesse público evidenciado pela natureza da lide (art. 82, III, segunda parte, CPC).
Daí a participação enriquecedora do Parquet, que acompanhou e contribuiu com o desenrolar do litígio desde o início da instrução.

MÉRITO

As demandantes dizem-se proprietárias, por herança, de parte das terras então integrantes do "Morgado de Porto da Folha", terras essas que constituiriam um imóvel individualizado cuja área seria de impressionantes cento e noventa e três mil e quinhentos hectares.
Ainda nas palavras das demandantes, suas terras foram alvo de apossamento pelo INCRA, que teria promovido diversas ações de desapropriação que contemplaram terceiros - em lugar das demandantes - com a correspondente compensação pecuniária.
Pois bem.
As requerentes discorreram com habilidade ao tratar do perfil jurídico da desapropriação indireta. Conceituaram-na como esbulho forcejado pelo poder público; um ato ilegítimo que enseja indenização por não ser possível recuperar imóvel que, além de incorporado ao patrimônio, foi afetado a uma finalidade estatal.
Perfeita exposição.
Todavia, a despeito da destreza ao expor o fundamento jurídico da pretensão, carecem as autoras de respaldo probatório.
Deveras. Por ordem lógica, o primeiro item a ser provado em uma demanda centrada em desapropriação indireta consiste na propriedade do imóvel supostamente tomado pelo poder público. A premissa é simples: só pode ser indenizado algo que efetivamente figurava no patrimônio do pretendente à reparação.
Quando falamos em comprovar a existência de propriedade, notadamente de uma área rural, falamos em estabelecer com precisão sua área, estremar suas confrontações e definir, de forma segura, a sua localização. Estamos falando, pois, em se documentar a realidade de algo que existe em certa medida de espaço e que se distingue dos congêneres justamente por seus limites.
Conquanto intuitivo, não é ocioso realçar que a exigência de se identificar pormenorizadamente o bem não se funda apenas no propósito de individualizá-lo. Comparece, sobretudo, a necessidade de se elucidar se sua área foi submetida ou não ao apossamento administrativo.
O registro imobiliário ancorado aos autos, no entanto, é completamente inservível no que atina à identificação do imóvel que pertenceria às autoras, pois não faz nenhuma referência à sua localização.
Transcrevo o teor relevante do citado documento (certidão de fl. 21):

"CARACTERISTICOS E CONFRONTAÇÕES: uma parte em comum dos terrenos do extinto MORGADO DE PORTO DA FOLHA, situado no Termo de Porto da Folha, desta Comarca."

Impossível aferir, destarte, a real localização física do imóvel. Qual a sua área? Quais as confrontações? Em que lugar se situa? Sem essas respostas imprescindíveis, não se pode determinar se o INCRA, por meio de ações indevidas em face de terceiros, deu causa à desapropriação indireta; não se sabe se as terras alegadamente pertencentes às autoras foram alcançadas ou não por tais demandas.
O croqui de fl. 29, desnecessário insistir, nenhuma força probante apresenta. A partir de quais bases foi elaborado, se o título de propriedade não indica qualquer marco limítrofe das terras?
Tocava às acionantes, irretorquivelmente, esclarecer a contento essa verdadeira questão prejudicial, consoante dispõe o art. 333, I, do CPC. Deveriam, em tempo e sede adequados, ter buscado a demarcação das terras e/ou a retificação/suprimento do registro imobiliário. Entretanto, mesmo na corrente lide, em momento manifestaram interesse em dirimir, por meio de prova compatível, esse quadrante nuclear de sua pretensão (fl. 112 e 118/119).
A bem da verdade, sequer a continuidade da posse, como bem salientou o Ministério Público Federal, mereceu a atenção das demandantes. Nada há nos autos que permita inferir o exercício dessa prerrogativa, deixando-se em aberto a concreta possibilidade da perda do bem por força de usucapião.
Mas não é só.
O demandado fez chegar ao feito documentos pertinentes às ações de desapropriação intentadas a respeito de imóveis supostamente situados na área que pertenceria às demandantes. Ao correr dos olhos (fl. 151/251), não se percebe nenhuma irregularidade capaz de macular os procedimentos implementados pela autarquia, valendo frisar que, em todos os casos, foi realizado prévio levantamento da cadeia dominial das terras que foram objeto dos referidos litígios.
Não bastasse ser ônus processual das requerentes a comprovação de eventuais vícios que inquinassem os atos praticados pelo INCRA, é de se recordar que os mesmos são revestidos - como todos os atos administrativos - de presunção de veracidade (quanto ao substrato fático) e de legalidade (quanto ao seu ajustamento ao ordenamento jurídico). Por isso, são necessariamente presumidos válidos e regulares até comprovação segura em contrário.
Nesses termos, por mais credibilidade que se queira emprestar, o depoimento pessoal da parte autora por si só não basta para demonstrar a existência de fraudes - ou qualquer defeito - em detrimento dos registros públicos utilizados como supedâneo das mencionadas ações de desapropriação.
Tais registros, além de incorporados a processos administrativos, por si só gozam de fé pública e apenas pelo instrumento processual cabível poderiam ser desconstituídos.
A hipótese de fraude, a propósito, resvala para um extremo tal que só poderia ser acolhida diante de provas irrefutáveis.
Explico.
Quando o Estado promove uma ação de desapropriação, mesmo para fins de reforma agrária, a presença ou não do real titular do domínio no pólo passivo não condiciona o andamento da lide. Esta prossegue; é julgada; o imóvel é incorporado no patrimônio público. Entrementes, enquanto não solucionada a questão do domínio nas instâncias ordinárias, a indenização devida permanece retida, assegurando-se o seu recebimento pelo legítimo proprietário (vide art. 6º, §1º, da LC nº 76/93)1.
No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

A ação judicial de desapropriação pode prosseguir independentemente de saber a Administração quem seja o proprietário ou onde possa ser encontrado; mesmo porque no processo de desapropriação. As questões referentes ao domínio não são objeto de consideração, já que as únicas matérias passíveis de serem alegadas na contestação são as nulidades processuais e o preço (art. 20 do Decreto-lei nº 3.365/41); apenas no momento de levantar o valor da indenização é que o interessado deverá fazer prova de domínio (art. 34 do Decreto-lei nº 3.365/41); segundo Antonio de Pádua Ferraz Nogueira (1981:101), "tratando-se de ação cujo processamento independe de contestação, basta ao chamamento do presumível titular do domínio, detentor da posse direta do imóvel, para que se admita a legitimidade passiva.

Ora - e esse é o ponto a que tencionávamos chegar-, a tese das autoras implicaria admitir que o Poder Judiciário Federal e o Ministério Público teriam sido ludibriados nas quase quarenta ações de desapropriação para fins de reforma agrária ajuizadas em torno das terras localizadas na suposta área rural pertencente às autoras. Ou seja, seguindo o raciocínio das postulantes, o Judiciário, com a anuência e resignação do Parquet, haveria autorizado, em afronta à norma expressa de Lei, o levantamento de indenizações por pessoas que não demonstraram a condição incontroversa de titulares do domínio dos imóveis colhidos pelo programa de reforma agrária.
Enquanto instituições, Poder Judiciário e Ministério Público são constituídos de pessoas e, portanto, são falíveis. Não se insinua, portanto, a impossibilidade de que erros tão graves e tão repetitivos possam ocorrer ao longo de vinte anos. São, em tese, possíveis, mas - diante da realidade - improváveis. Por conseguinte, a par da completa ausência de elementos de convicção nesse sentido, tal hipótese, no mínimo, soa inverossímil.
Tão inverossímil quanto o comportamento das autoras: embora sabendo das desapropriações diretas (supostas causadoras da aventada desapropriação indireta) promovidas pelo INCRA desde a década de 80, somente em 2004, restando dois anos para a consumação do lapso prescricional, resolveram promover esta demanda indenizatória. Alguém que realmente estivesse sendo esbulhado de forma tão notória em sua propriedade, dotado de um mínimo de bom senso e diligência, certamente não teria um comportamento tão leniente.


Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos.
Custas e honorários dispensados nos termos do art. 12, da Lei nº. 1.060/50.
P.R.I.
Itabaiana, em 27 de novembro de 2006.

FERNANDO ESCRIVANI STEFANIU
Juiz Federal Substituto"

A sentença observada acima diz respeito à ação judicial promovida pela herdeira contra o Incra, postulando receber indenização pelas desapropriações irregulares que alegou terem sido feitas pelo órgão federal. Contudo, os pedido formulados foram julgados improcedentes. A competência para julgamento de tal ação foi, portanto, da Justiça Federal.
No dia 16 de fevereiro de 2007, os autos foram encaminhados, em grau de recurso, para o Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF-5. Autuado em 13/03/2007, o Recurso de Apelação Cível foi tombado sob o nº 409688-SE, sob a responsabilidade da Primeira Turma julgadora, com a relatoria do Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira. Atualmente, em agosto de 2010, está concluso ao Relator, quer dizer, aguardando Despacho deste.
Contudo, as herdeiras, antes mesmo de entrar com a ação contra o Incra, já haviam ajuizado demanda indenizatória por dano moral e material contra o Estado de Sergipe. Com efeito, através do processo nº 199911903148, julgado pela 19ª Vara Cível em 09/02/2004, as requerentes atribuíram "responsabilidade ao Estado por omissão na prestação jurisdicional que teria levado à perda da propriedade, objeto de herança paterna, denominada "Morgado de Porto da Folha" (área equivalente a 193.500 hectares)".
Segundo os termos da Sentença, a justiça reconhece, em parte, o pleito indenizatorio: "(..) entendo, pois de bom tamanho, portanto, dentro do principio da razoabilidade e da proporcionalidade, que o requerido pague a cada autora, à título de indenização pelos danos morais como compensação aos danos sofridos a quantia de duzentos mil reais (R$200.000,00)".
Como eram duas as autoras, Adélia Ferreira Marinho e Luzia Ferreira Marinho, o Estado de Sergipe foi condenado a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 400.000,00. O Estado recorreu através de Ação Rescisória (Processo nº 2007601095), porém teve o seu pleito negado. Não há mais possibilidade de recurso. O débito existe, mas o pagamento é outro problema a ser solucionado, pois o valor foi convertido em precatório: um título do Estado reconhecendo a dívida, que pode levar anos para ser paga.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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