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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

MEU BEM, MEUS BENS

MEU BEM, MEUS BENS

Rangel Alves da Costa*


Dentre outras áreas do direito milito também no cível, mais comumente na seara do direito de família. Neste aspecto, me deparo todos os dias com divórcios, reconhecimentos de paternidade, pedidos de pensão alimentícia e execução de obrigações alimentares, separações, pedidos de guarda, retificações e uma série de outras questões afins.
Pois bem. O direito em si é ciência das mais envolventes, buscando fazer justiça diante de situações conflitantes. O conflito entre partes que litigam, que querem ver suas pretensões reconhecidas, parece ser o cerne da prestação jurisdicional. Assim, no conflito, a busca pela justiça; e na justiça o reconhecimento daquele que tem direito. Contudo, indaga-se: Qual o direito de agir que possui a justiça diante de duas pessoas que até ontem juraram eterno amor e hoje querelam como se fossem inimigos históricos?
Chegamos ao ponto. Todos os dias chegam esposos queixosos, revoltados, cheios de ódio e rancor, inicialmente dizendo que casaram – casados, e não apenas conviventes – há menos de dois meses, mas que não suportam mais a vida a dois, porque o outro é isso e aquilo, fez isso e aquilo, que não aguentam nem mais olhar em seu rosto, que é preciso que a justiça os separe sob pena de acontecer o pior.
E dizem mais: Quero saber se tenho direito de tirar da casa tudo aquilo que comprei, e que quero a sala, o sofá, a cozinha, as panelas, os demais móveis e o carro porque tudo saiu do meu bolso e o outro quando casou não tinha nada, não levou nada pra dentro de casa, nem comprou um alfinete sequer. E acrescenta que se for para pagar pensão alimentícia prefere largar o emprego no mesmo instante do que dar um centavo àquela vagabunda, imprestável, filha de raça ruim, preguiçosa e um montão de coisas muito mais difamatórias. E tudo isso tanto diz o homem quanto a mulher, um com relação ao outro.
Está certo, sou advogado, fui contratado e passo a agir para resolver o problema, inegavelmente tentando resguardar as pretensões do meu cliente. Entretanto, mesmo sendo causídico também sou pessoa, sou gente, também tenho problemas familiares, conheço o que é convivência a dois, tenho sentimentos e, portanto, também sofro não somente com minhas próprias situações, mas igualmente com a dos outros, seja cliente ou não. E sofro pelos dois, que jamais deveriam estar passando por situações tão difíceis.
Daí que, enquanto ser humano que não abdica de ver o outro muito mais como paciente do que cliente, nos intervalos da minha rotina de trabalho fico instantes a fio me perguntando: O que faz um amor que ontem foi declarado judicialmente e abençoado pelo padre, com beijos e as mais puras expressões de felicidades, de repente se transformar numa teia de discórdias? O amor é chama que apaga tão cedo ou tão facilmente, é raiz tão frágil que não suporta os ventos das negativas ocasionais da vida, é tão frágil que cai num segundo e levanta no outro instante com olhos fumegando de ódio? Por que ontem quase um não chamava o outro pelo nome, mas sim pela expressão "meu bem", e hoje o que se fala e o que se quer são "meus bens, meus bens?".
Por mais que eu procure encontrar respostas para tais fatos sinto-me impossibilitado de encontrar ao menos uma breve lição que seja satisfatória. Contudo, num longo esforço de poeta e de pessoa triste, ouso dizer, mais entristecido ainda, que as pessoas crescem, pensam que aprenderam a viver, decoraram o que é amor, mas não aprendem mais o que é amar.
Infelizmente é isto, pois nada justifica que o amor saia da esfera do coração para ser decidido nas barras dos tribunais. Todos perdem, mas principalmente a feição de pureza que tem esse sentimento maior do ser humano.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

2 comentários:

Toninho disse...

Ah, meu caro Rangel,o enalce se tornou negocio de jogo de interesses e tod roamantismo se perdeu nesta onda.Caso como do jogador de bola Pato da equipe do Milan na Italia, mostra bem com esta coisa se processa.Meu bem, meus bens, meu mal.E fico a imaginar uma pessoa sensivel,poeta,advogada como voce,deve ser terrivel pelo lado humano e gente.As vezes nós ficamos a pensar como um advogado por defender uma coisa desta? Mas é o direito de defesa,é o direito cosntituido.Cada vez mais as relações passam por um vulnerabilidade terrivel, que as pessoas rompem por qualquer motivo as vezes os mais futeis.Onde é que vamos parar? Um abraço amigo.Boa sorte.

Caca disse...

É, Rangel, quanto mais eu penso que sei, aprendo. Eu acho que as relações pessoais são juridicas, nada mais. O papo de amor é apenas um enfeite para não ficar muito com aquele clima pesado que a letra da lei impõe no cotidiano. Amor mesmo, acho uqe está nas criancas que ainda não perderam a inocência.Ótima crônica. Abraços. Paz e bem.