EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 72
Rangel Alves da Costa*
Era difícil, mas tinha de reconhecer que as coisas estavam mais complicadas do que poderia imaginar. De forma declarada, já sabia que tinha o prefeito e seus subordinados como inimigos. Agora certamente que o pai de Ester e até ela própria, se somariam àqueles que desejavam ver a todo custo sua destruição. Isto sem falar em outras pessoas de menor evidência na sociedade, vez que tinha certeza que semear o bem causa inveja a muito mais gente do que a maioria das pessoas pode supor.
No dia seguinte, os pais de duas daquelas crianças que ajudaram na criação do barracão e que quase todos os dias estavam por ali fazendo a manutenção daquele verdadeiro sonho, procuraram Lucas, quase às escondidas, para ter, segundo eles, uma conversa muito séria com o rapaz.
Lucas convidou-os até sua casa e sentados na varanda, tomando um cafezinho, pediu que falassem sobre o que os trazia até ali e que era tão importante. Disseram que o assunto era o mesmo para os dois, mas que estavam até com vergonha de falar sobre aquela coisa sem pé nem cabeça. Mas como não tinha jeito mesmo, ainda que envergonhado, um pediu licença ao outro e começou a relatar:
- Tamo inté cum vergonha de incomodá o sinhô com uma besteira dessa, mai é o jeito a gente falá senão é pió pa gente...
- Não se incomode. Fique a vontade, pode falar calmamente e sem medo – Lucas procurou dar segurança ao homem. E este continuou:
- É qui, primeiro eu e adespoi ele, nói fumo percurado pelas pessoa a mando do sinhô prefeito. Ao meno foi isso que eles dissero. E o recado qui o prefeito mandô foi qui nói num deixemo mai nosso menino fazê parte desse barracão não. Dissero qui é pa gente impatar deles vim aqui e fazê quarque coisa, ajudá vosmicê, ajudá o pade, nada, num é pá gente deixá eles num fazé mai nada não, e de jeito ninhum. E dissero mai qui si a gente continuá deixano vamo ter muito probrema cum o homi lá. Dissero qui se a gente deixá vai impatá de nói trabaiá nas roça e nos outo lugá e tê quarque tipo de ganha pão. Qui vão cortá aquele dinheirim qui o governo manda todo meis e tumem deixá a gente sem a cesta de cumida qui ele dá todo meis. E dissero tumem qui vão mandá vigiá se os menino ainda vem pra qui, mai qui num é pô muinto tempo não, poi logo logo esse barracão vai tá acabado e vosmicê tumem num vai tá aqui mai não. Eles dissero mermo assim e adespoi ainda sairam sorrino. Eu vi cum esse ói qui a terra há de cumé. Foi isso meu sinhô – Disse o homem, demonstrando estar um pouco assustado.
Mas que gentinha mais imprestável, e vejam até onde eles foram chegar, pensou Lucas consigo mesmo. Como tinha que dizer alguma coisa naquele instante, procurou ser o mais coerente possível, caminhar pelos rumos da verdade. E disse:
- Sinto muito que eles tenham chegado a tal ponto, procurando atingir vocês e principalmente as crianças, que são pessoas inocentes, para tentar me atingir. As pessoas que foram procurar os senhores, na verdade não têm nada a ver com isso, pois apenas são pagas para se submeterem a tais absurdos, para cumprirem um papel vergonhoso como esse. O verdadeiro culpado nisso tudo é só um, que é o próprio prefeito. Esse sim, não vale nada e procura fazer do medo e da ameaça uma forma de atingir seus objetivos políticos, de ganhar votos e se manter no poder. Mas vou dizer por que ele está fazendo isso tudo. Acreditem os senhores que essas perseguições todas surgiram somente porque não aceito que o meu trabalho nem o dos filhos de vocês seja utilizado como palanque eleitoral para ele e seus candidatos. Ele está vendo e sentindo que os trabalhos no barracão se desenvolveram de tal modo e atraíram tantas pessoas, que agora quer porque quer que a gente aceite que ele participe disso tudo para que o seu nome seja reconhecido como benfeitor, como aquele que está por trás dessa obra e sustentando isso tudo. Como nunca aceitei, ele me persegue e agora procura perseguir também vocês. Forçando para que afastem os meninos daqui, que impeçam que eles participem de uma coisa que também construíram, pensam que irão me deixar sozinho. E estando sozinho, será mais fácil armar arapucas, tocaiar, encurralar, agir para destruir tudo de vez....
- Intonce é isso, meu fio? – Perguntou o outro homem, assustado.
E Lucas continuou:
- É isso mesmo, meu senhor. Mas não se preocupem não que já sei o que vou fazer, de modo a não prejudicar vocês nem aos seus filhos. Esses meninos tão inteligentes e esforçados, já rapazinhos e mocinhas que são, mereciam muito mais respeito desse cabra safado. Mas dizem que o feitiço um dia vira contra o feiticeiro. E assim será, pois aquele que faz aqui paga aqui e não com a mesma moeda, mas com juros e correção monetária. A lei divina também é assim. Sei que eles ficarão muito sentidos com o que será feito, mas é no que podemos pensar no momento...
E Lucas começou a detalhar o que planejava fazer.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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