SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

PALAVRAS AO SILÊNCIO (Crônica)

PALAVRAS AO SILÊNCIO

Rangel Alves da Costa*


Depois de luas e sóis, te encontrei somente agora, após o açoite do vento, o sopro da brisa, a tarde/noite chegar, e a solidão e a tristeza dizer que enxugue os olhos e faça silêncio para falar com o silêncio, pois chegaste sorrateiro depois que um grito bem alto partiu.
Tenho muito a dizer ao silêncio. Durante toda a existência, se paga o alto preço da dor por sempre procurar esconder ou deixar para mostrar mais tarde o quanto mortal na vida de uma pessoa é a negação, o esquecimento, a omissão, o fazer de conta que ela não existe.
Chega um dia que a dor é de morte e a vida fica na dependência do grito. Gritar para ver se o silêncio silencioso demais desperta e termina logo com o que começou, acabando com tudo de uma vez. Se é assim é assim que se deseja, que seja.
Não falo da morte, nem falo de continuar vivendo; não falo da vida, nem falo em deixar de viver; mas sim de saber se a vida é morte ou a morte é assim como a vida mesmo. O que não é aceitável é estar suportando isso tudo por causa do silêncio do silêncio.
Não seria um acerto pensar que foste somente egoísta, vaidoso e frio. Tuas outras características são como névoas aos olhos dos desatentos, mas não fogem das brumas que te cercam quando silenciosamente chegas e vai logo despertando na vítima a sensação da dúvida, do medo e da insegurança.
Muitos já enlouqueceram por causa da tua insensibilidade e omissão. Bastaria dar uma única resposta, dizer uma palavra, segredar um ruído. Mas não. Vendo os olhos se avermelharem de sofrimento, as lágrimas surgirem aflitas, as mãos serem erguidas à cabeça, o terror tomar conta de tudo, ainda assim ficaste em silêncio. Bastava dizer "ela não te quer mais"; bastava balbuciar "ela não te quer"; bastava soprar "ela não"; bastava mandar um recado: "não".
Quem não te conhece mandará flores, dirá aos outros do apreço que sente, terá regozijo em dizer que te conhece e preza. Coitados dos que só veem as flores no jardim, o sol na manhã e a lua na noite! Infelizes aqueles que possuem olhos somente para fingir a beleza, boca para fingir as palavras, mãos para fingir que tocam! A verdade nunca se esconde; quem vive fingindo a verdade é quem se contenta com a mentira. Por isso dizem gostar de ti. Ai se te conhecessem na essência!...
Um dia sacrificaram a palavra para te defender; disseram, simulando uma filosofia, que estais na essência originária e no fim da vida, pois ainda nenhuma palavra e depois nenhuma palavra; afirmaram que é melhor viver contigo do que se perder em frases comprometedoras; pensaram que o teu jeito tão sério e distante fosse sinal de inocência e pureza.
Perdoai, grande Deus, os que pecam pelo desconhecimento; porém não deixai de castigar os que te conhecem e, refletindo o seu mesmo jeito covarde, explode por dentro para não dizer ao menos "fica", "perdoa", "ainda te amo".
Saiba que por tua culpa a menina bebeu veneno, cortou os pulsos e se jogou do último andar. Chorou, implorou, gritou e não deixaste que ninguém respondesse. Por tua culpa o vento levou a roupa do varal e a chuva entrou pela janela para molhar os sonhos de alguém que dormia. As tempestades nem te consideram, por isso todos ouvem quando está presente. Mas o vento e a chuva não, pois silenciosamente chegam e fazem os estragos que querem.
Saiba que por tua culpa, me achando revoltado com os exemplos da vida, que me negava a oferecer no mesmo instante tudo que eu queria e pedia, abri a janela e gritei bem alto, disse o que não deveria: desfiz da minha fé, desacreditei das minhas crenças, maculei minha religião. Era para ficar em silêncio e não fiquei. Por isso a culpa é tua.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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