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domingo, 22 de agosto de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 83

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 83

Rangel Alves da Costa*


Ainda com relação a Ester, o Padre Josefo chegou à conclusão de que somente os olhos divinos sobre os seus atos poderiam dizer até quando e em qual magnitude pagaria aqui mesmo na terra pelos erros praticados. Depois seria perdoada no reino do céu, porque os loucos fazem parte de uma categoria e pessoas que sempre são absolvidas pelas transgressões praticadas em virtude da anormalidade psicológica.
Contudo, se num instante o sacerdote havia ficado espantado e perplexo pelo relato do amigo, agora seria este que ficaria intrigado com alguns acontecimentos expostos. Era a vez do padre falar sobre seu cotidiano durante os últimos que andou sumido:
- Sinto que minha igreja está sendo ameaçada, vivo como sendo observado e seguido dia e noite. O bispo já me comunicou que estão enviando cartas anônimas dizendo que prefiro celebrar missas em outro lugar e esqueci da igreja, que os fieis estão se afastando porque deixei de pregar a palavra do Senhor para falar sobre os problemas da terra, que estou trabalhando para fazer de você um importante político da região, enfim, que estou me intrometendo onde não deveria. O pior é que citam covardemente nas cartas que se ele, o senhor bispo, não tomar as devidas providências, atitudes serão tomadas aqui mesmo e a igreja pode pagar pelo que ela não merece. E não fica por aí não, pois picharam com dizeres tais como "Igreja de São Lucas", "O padre que envergonha a igreja" e "Igreja de merda". Já imaginou, Lucas, o trabalho que dá para apagar tanta besteira. Outro dia, meu carro amanheceu com dois pneus furados e uma cobra viva jogada dentro. Sempre ouço pedras sendo jogadas no telhado da sacristia e na casa paroquial, que são quase a mesma coisa ali. E talvez porque não tivessem o que fazer de mais proveitoso, jogaram excrementos dentro do confessionário. Como vê, amigo Lucas, as coisa não andam fáceis não, pelo contrário... – E foi interrompido por Lucas:
- E o que pensa fazer diante dessa situação, Padre Josefo?
- Ora, meu filho, o que fazem os aflitos, que é implorar a Deus para nos livrar de todo o mal...
- Além das preces, o que pensa em fazer mais? – Indagou Lucas.
- Além das preces, além da devoção, além de ser um serviçal de Deus aqui na terra, há de se ver que também sou homem, e como tal deverei agir. A primeira coisa que fiz, logicamente após as orações em busca de proteção, foi repassar tudo o que vem ocorrendo à imprensa da capital, pois se houver o pior não podem dizer que me omiti e já terão as primeiras linhas de investigação. A segunda coisa foi procurar o Ministério Público que atua por aqui para denunciar o ocorrido. Fui bem recebido e ainda melhor ouvido por um jovem promotor, que prontamente se interessou pelo caso e disse que iria procurar apurar o ocorrido para fazer uma denúncia formal, se obtiver elementos suficientes de acusação e se obtiver nomes a serem acusados...
Ao ouvir sobre o Ministério Público, Lucas resolveu pedir licença para fazer uma rápida observação:
- Existem lugares onde não deveria haver nem prefeito nem prefeitura, mas apenas a promotoria de justiça e sua sede. Aqui mesmo deveria ser assim.
- Pertinente observação, meu amigo. Mas voltando ao caso, temos que mesmo com as boas intenções do jovem promotor, não nos enganemos que muito pouco ou quase nada ele poderá fazer. Infelizmente, promotores são hierarquicamente subordinados dentro da sua função ministerial, tendo sempre alguém de mais força lá em cima que pode apagar o que ele fez aqui ou mesmo proibir que o mesmo continue com essa ou aquela acusação, com essa ou aquela denúncia. E você sabe que as leis são feitas e aplicadas pelo homem, e quem as aplica tem sempre uma dose de tendência que vai além do livre convencimento. E então, quando se juntam num mesmo patamar a lei que pode ser lida segundo os objetivos, a política que diz como a lei deve ser lida e magistrados que vivem mais da política partidária do que da lei, não há o que se fazer. A lei e a justiça são engolidas pela política e o que os políticos disserem que deve ser certo ou errado assim prevalecerá. Infelizmente é assim que funciona. Pelo promotor não, que de tão jovem talvez ainda não tenha se corrompido, o que dificilmente não acontecerá mais pra frente. E a terceira coisa foi decidir que daqui por diante rezarei aqui quantas missas forem necessárias e trabalharei abertamente para que, mesmo tendo a incumbência de carregar a cruz do Senhor, ganhe espaço na política e mais tarde venha assumir um cargo para lutar pelos anseios do povo. Lutar pelo povo é também carregar a cruz do Senhor...
- Desculpe Padre Josefo, mas talvez tenha esquecido de dizer o que respondeu ao senhor Bispo – Perguntou Lucas.
- Não esqueci não. Fato é que não há nada para responder ao senhor bispo, pois somente ainda o respeito porque sou forçado a tal pela função que exerce dentro da igreja. Soube através de uma pessoa da maior seriedade e de grande vulto dentro da própria igreja que o senhor bispo não passa de um canalha, de um aproveitador, de um verdadeiro mafioso. Documentos existem provando que ele recebeu de presente de um político corrupto uma grande fazenda no norte do país e todos os meses tem a sua conta bancária recheada por muitas cifras, além do que faz do poder que tem na igreja um meio de interferir para trazer dividendos para os seus amigos que vivem na roubalheira para se sustentar no poder. Você, Lucas, confiaria num homem desses?


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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