POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Segunda viagem)
Rangel Alves da Costa*
O visitante de Poço Redondo não pode deixar de apreciar seu rico artesanato, consistindo este principalmente na renda de bilro, nos bordados de ponto de ponto de cruz, nos artesãos que trabalham com maestria o couro e a madeira, fazendo surgir preciosidades como selas, gibões, chapéus de couro, santos, cangaceiros e figuras típicas do Nordeste. O artesão Mestre Tonho é um dos grandes nomes do artesanato em madeira na localidade e renome até internacional. Na gastronomia não se deve deixar de apreciar o doce ou cocada de coroa de frade, o bode assado e guisado, a galinha de capoeira, a buchada, o sarapatel e o pirão de carne de gado, o arroz de leite e o mungunzá.
Segundo consta dos dados obtidos no site do Projeto Artesol - Artesanato Solidário (http://www.artesol.org.br/site/poco-redondose), Poço Redondo é um dos municípios de maior expressividade cultural da região. Suas manifestações populares, como a “Cavalhada”, são conhecidas em toda a região. Também sua produção artesanal é bastante variada, incluindo o tradicional bordado “rendendê”, a escultura em madeira e o trançado com fibras de caroá. Mas é o bordado de Sítios Novos, distrito do município, que se destaca pelo substantivo número de pessoas envolvidas: pelo menos 120 mulheres se dedicam a essa arte.
As bordadeiras de Sítios Novos tinham um sonho; há muito alimentavam a esperança de um dia ter sua própria loja de bordados para que pudessem divulgar sua arte e aumentar a comercialização. Em uma tarde quente de dezembro de 2001 este sonho começou a ser construído, e durante dois anos o grupo se reuniu diariamente para fazer desse sonho uma concreta realidade. Através do Projeto Sítio dos Bordados, do Artesanato Solidário, as artesãs participaram de várias oficinas de associativismo, melhoria da técnica, gestão de produção e comercialização, melhoria de produtos. Conseguiram inovar e tornar ainda mais bela uma das mais tradicionais técnicas artesanais do baixo São Francisco: os bordados rendendê e ponto-cruz. Inovaram essa tradição sem, contudo, alterá-la no que há de essencial: seu enraizamento nos modos de vida de quem a produz. Ao mesmo tempo em que aprimoravam esta arte de fazer, exercitaram práticas sociais de organização produtiva que resultaram na formação da Cooperativa das Bordadeiras de Sítios Novos ‘Um Sonho a Mais’. O nome, escolhido pelo grupo, exprime o sentimento do sonho alcançado, com esforço, dedicação e solidariedade, na difícil e complexa tarefa de tornar autossustentável uma organização social de produção artesanal.
O artesão Antonio Francisco da Silva, mais conhecido como Mestre Tonho, é um dos maiores representantes da cultura poço-redondense, com suas verdadeiras obras-primas produzidas em madeira. Com temática ligada ao cangaço, ao sertão e ao universo sagrado, Mestre Tonho credita ao ofício de escultor papel fundamental para a melhoria de sua condição de vida. Como muitos sertanejos, passou por várias fases aflitivas. Natural de Maceió, aos três meses de idade mudou-se para Poço Redondo, em Sergipe, e, antes de se tornar artesão, trabalhou em fazendas na região.Ele trabalha há mais de 20 anos com esculturas e já expôs seus trabalhos em vários locais do país como São Paulo e Brasília.
Mestre Tonho, na sua simplicidade de sempre, com jeito bem característico do sertanejo e amigo para um conversar de todas as horas, possui um trabalho artesanal primoroso. Sua produção artística, na rudeza do talho na madeira dura, confunde-se comumente com obra de arte pela capacidade criativa e riqueza de detalhes. Quando esculpe seus santos em madeira (umburana), assemelha-se ao mestre Aleijadinho com o barroco mineiro. Afirma-se que produz verdadeiramente arte sacra. Os detalhes da anatomia humana chega a parecer um acadêmico estudioso do assunto. No entanto, trata-se de um autodidata, que não teve a oportunidade de ser alfabetizado e o sofrimento o fez descobrir esta dádiva divina, não parando mais de produzir suas esculturas que dignificam sua profissão. (in. Vozes do imaginário: Escultores de Sergipe - http://www.rioecultura.com.br/expo/expo_resultado2.asp).
Assim, nesse passo sertanejo, Mestre Tonho trabalha há mais de 20 anos com esculturas, tendo exposto em vários locais do país: Brasília, Recife, Ouro Preto, São Paulo e João Pessoa. Suas obras também já ultrapassaram distantes fronteiras mundo afora. Sua temática, como já afirmado, volta-se para a confecção de imagens sacras, mas voltava-se também, e com muita precisão, para a produção de imagens ligadas ao cangaço, ao sertão e ao universo de tudo que rodeia o homem sertanejo perante sua realidade. Sempre afirma que se sente plenamente realizado quando acaba de esculpir imagens retratando seus heróis favoritos, que são Lampião e Maria Bonita.
Além de exímio artesão, Mestre Tonho é um guerreiro na luta pela preservação da memória sertaneja, principalmente do cangaço, e um grande incentivador do trabalho dos novos e muitos artesãos que, sob sua inspiração, começaram a surgir em Poço Redondo. Daí afirmar que tem o maior prazer de ter sido o responsável por ter pedido ao então ministro da Cultura Gilberto Gil para instalar o Centro de Artesanato que hoje funciona na rodovia estadual que corta a sede do município, nas proximidades do centro da cidade e da ponte do riacho Jacaré.
O folclore e outras manifestações populares poço-redondenses estão representados pela cavalhada, vaquejada ou pega-de-boi, samba de coco, tocadores de pífano, aboiadores, forró de pé-de-serra e outras manifestações dançantes. As principais festas populares são: Festas de Santo Antônio, São João e São Pedro, Vaquejada, Festa de São Sebastião (povoado Bonsucesso), Festa de Nossa Senhora Aparecida, Festa de São José, Festas de São Paulo, Festa de São Rosa de Lima, Festa de Nossa Senhora da Conceição, Missa do Vaqueiro, Festa de Nossa Senhora de Santana, Festa da Emancipação Política de Poço Redondo e Carnaval em Curralinho.
O turismo é aspecto de relevância no município, possuindo alguns destinos que merecem destaque, tais como a Serra da Guia, a Trilha da Cachoeira do Bom Jardim, a Capela de Nossa Senhora da Conceição em Curralinho, a Igreja de São Sebastião em Bonsucesso, a Igreja de Santo Antonio, a Igrejinha do Poço de Cima e o Sítio Arqueológico do Charco. O principal ponto turístico, contudo, é a Gruta do Angico, onde Lampião e outros cangaceiros foram mortos em 1938.
A Serra da Guia, que é um antigo Quilombo, tem uma altitude de 750 metros e está localizada próxima à divisa dos Estados de Sergipe e Bahia. O relevo acidentado limitou o povoamento no sopé da Serra. A cobertura vegetal apresenta aspectos peculiares, destacando-se por estar numa área de preservação ecológica natural. A cada cota de altitude que se alcança vai-se descortinando lentamente a bela paisagem de relevo ondulado. A subida até o topo é cansativa, pois requer um bom esforço físico. A trilha tem início na Fazenda Guia. Durante o percurso observam-se algumas nascentes e vários mirantes naturais e uma igrejinha. A Serra é considerada um dos pontos mais altos do Estado de Sergipe. Durante muito tempo serviu de refúgio de escravos negros, fugidos do cativeiro. Até hoje a população conserva os hábitos e costumes do antigo Quilombo.
A Serra da Guia fica localizada no Complexo da Serra Negra, que se estende por Canindé, Poço Redondo e Pedro Alexandre (Bahia). É o local mais alto do Estado, e em uma das serras do complexo, nasce o rio Sergipe. Do alto, uma imensa planície se abre diante dos olhos. Dá para ver o sertão alagoano, baiano e sergipano, dependendo do ponto onde se esteja. Não costumam aparecer muitos visitantes, ainda é um local pouco conhecido. Há algum tempo, quando a imprensa divulgou as histórias de Zefa da Guia, uma parteira que é uma espécie de matriarca da região, a serra andou recebendo alguns curiosos. Nada suficiente para gerar um turismo auto-sustentável ou renda para a população local. Menos ainda para criar e manter um projeto que venha a proteger a serra.
Na Serra da Guia, orquídeas e bromélias surgem onde antes só havia caatinga e o sol causticante. No topo da serra, uma clareira aberta pelos moradores dos povoados próximos esconde uma capela e uma casa de pau-a-pique. De lá, os visitantes podem se embrenhar pela mata, onde não há trilhas. A terra é úmida e macia, ao contrário do solo seco e arenoso encontrado na parte baixa da serra. É recoberta por uma camada de folhas secas e adornada pelas muitas bromélias que caem das árvores mais altas. É comum encontrar algumas espécies de sisal, que podem ter ido parar lá de forma natural, levadas por pássaros, ou pelo homem. As copas das árvores são muito altas, e se encontram no ar, formando um telhado verde, que protege o solo do sol. Grande parte do território é muito íngreme, e existem várias formações rochosas, recobertas por liquens e musgos. A mata é muito fechada, para andar é necessário abrir caminho com o facão ou afastar os galhos. Bromélias, barbas-de-velho e lianas são encontradas aos montes. Mas o grande espetáculo fica por conta das orquídeas, que do alto das árvores, dão um exibem sua beleza. Maio é o período em que elas desabrocham.
Como já observado, na Serra da Guia, observa-se uma diferenciação climática e vegetal totalmente diferente da existente no Alto Sertão Sergipano, ou seja, da existente no Semi-árido nordestino. No topo da serra é visivelmente encontrada a presença de árvores de alto porte encontrado somente em regiões de clima semi-úmido gerado pela diferenciação climática que favorece o desenvolvimento de plantas de florestas. É um verdadeiro jardim suspenso. Em meio à aridez e sob o impiedoso sol do sertão sergipano, uma área de mata atlântica, repleta de orquídeas e bromélias.
Não se poderia falar sobre a Serra da Guia sem que se dedicasse algumas palavras à Josefa Maria da Silva, a conhecida parteira Zefa da Guia. Moradora no pé da serra, e ela mesma de raízes quilombolas, é tida por todos como parteira, mãe, avó, ‘psicóloga’, ‘assistente social’, enfim é um baluarte da sua comunidade. Não somente isso, pois Dona Zefa é também chamada na comunidade por “Madrinha Zefa”, “Dona Zefa”, “Mãe Zefa” e outros nomes carinhosos. Além de parteira, ela é a rezadeira da comunidade, indica remédios caseiros e presta outros trabalhos.
Zefa da Guia se criou na comunidade, trabalhando na roça e ajudando os seus pais. Nunca teve tempo de aprender a ler e escrever, e assim continuou no seu labor sertanejo debaixo do sol. Começou a profissão de parteira com onze anos de idade e se casou aos 12 anos. Era fazendo parto para as outras e elas fazendo os meus, relembra a mulher de corte forte, olhar destemido e mãos únicas no seu ofício. Daí afirmar ainda que sempre tratou as suas pacientes com muito amor e carinho e que, talvez por isso mesmo, nunca morreu nenhuma mulher nem criança em suas mãos.
Em entrevista ao jornal Cinform (Aracaju, 05 a 11 de 2007), a parteira contou histórias e revelou que já realizou cerca de 5 mil partos. Zefa da Guia tem experiência de 55 anos de profissão e pratica seu ofício na maternidade do povoado onde reside. Acrescente-se que tal maternidade surgiu como uma homenagem a ela. O serviço prestado gratuitamente revela amor pela profissão e como conseqüência desse afeto, a parteira já conta com cerca de 2.700 afilhados. “Graças a Deus, nunca morreu nenhuma parturiente e nunca nasceu menino morto. Pelo contrário, já teve casos de menino que nasce de cinco meses e três semanas e está vivo até hoje”, revela Zefa da Guia, acrescentando que na maternidade onde ela realiza os partos, seu trabalho é bem visto por médicos e enfermeiros.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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