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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Oitava viagem)

POÇO REDONDO: ASPECTOS SOBRE O REFÚGIO DO SOL (Oitava viagem)

Rangel Alves da Costa*


Como observado, Alcino Alves Costa propõe uma nova versão para o surgimento e povoação do Poço de Cima, marco de origem de Poço Redondo. Com efeito, ao passar a ser denominado de Poço Redondo, não significou que o Poço de Cima tivesse deixado de existir. Pelo contrário, pois boa parte dos moradores continuou por lá, principalmente os Sousa e os Cardoso, com suas moradias, fazendas, labutas cotidianas e tendo a fé católica expressada na igrejinha que construíram. Alguns vestígios dessas moradias ainda existem, como a pequena capela também.
Quando alguns dos habitantes do Poço de Cima perceberam - a partir dos cultivos e dos criatórios existentes na região um pouco mais abaixo -, que o local era mais adequado para fixar moradia, principalmente porque seria muito mais fácil e mais perto de dar água ao gado nos poços existentes no riachinho logo ao lado, então é que verdadeiramente passou a surgir o Poço Redondo.
Assim, a existência no riacho Jacaré de uma cacimba grande, de um poço redondo onde o sertanejo todas as tardes ia dar de beber ao seu rebanho, fez com que nascesse a denominação Poço Redondo, como passou a ser chamada a nova povoação. Maiores detalhes mais adiante, quando citarei um artigo de minha autoria intitulado "Pasmem, Poço Redondo existe!".
Voltando ainda ao processo de formação histórica do município, considerando o embate entre as informações repassadas pelo IBGE e as conclusões obtidas por Alcino Alves Costa nas suas pesquisas, recordo-me que próximo à época da publicação da história de Poço Redondo na página História dos Municípios do Jornal Cinform, esbocei minha própria história sobre o município onde nasci, anexando ainda um artigo também de minha autoria sobre Zé de Julião, um dos maiores poço-redondenses de todos os tempos. "Todas as vidas de um sertanejo" foi o título do artigo.
A minha história foi aproveitada em parte, dado às informações já obtidas pela jornalista Carla Passos, mas o artigo foi publicado na íntegra (Cinform, edição 962, 17 a 23 de setembro de 2001). Mais adiante cuidaremos desse aspecto. Contudo, abaixo será transcrito o que à época escrevi sobre a história de Poço Redondo. Como poderão perceber, há nele muitos dos dados fornecidos pelo IBGE, não somente com relação a Poço Redondo, mas também no que diz respeito a Porto da Folha. Afinal, falar sobre a história de um é ter que, necessariamente, citar parte da história do outro, pois Poço Redondo nasceu buraqueiro. Eis o texto:
"A chegada dos primeiros habitantes ao território de Poço Redondo está vinculada aos sertanejos que tiveram suas fazendas de gado empurradas para o sertão, bem como ao afluxo de criatórios chegados através do rio São Francisco, por isso mesmo também denominado "Rio dos Currais". Assim, na segunda metade do século XVII, a formação de currais e de locais de pouso e passagem deu lugar a vilas e cidades, como ocorreu com Poço Redondo.
Um conjunto de fatores bastante favoráveis possibilitou o povoamento do sertão sergipano do São Francisco: a fundação da cidade de São Cristovão, pelo Provedor-mor Cristovão de Barros, em 1590, na foz do rio Sergipe, o que geraria, mais tarde, uma necessária expansão para a zona sertaneja; as invasões dos holandeses (1630-1654), que aceleraram a interiorização das fazendas de gado, pois muitos luso-brasileiros, fugindo dos flamengos estabelecidos na costa, internaram-se sertão adentro e dedicaram-se à criação de animais; e, sobretudo, o rio São Francisco, abundante em meio ao polígono seco e servindo como elemento integrador entre o litoral e o sertão, entre o conhecido e o desconhecido. No entanto, os resultados dessa junção de fatores só iriam aparecer algum tempo depois.
Um dos marcos históricos resultantes deu-se ainda no século XVII, quando a região de Porto da Folha passou a interessar a Tomé da Rocha Malheiros, que obteve ali uma sesmaria de 10 léguas. Posteriormente, já em 1807, o fidalgo D. Antonio Gomes Ferrão Castelo Branco registrou na Câmara de Propriá títulos imobiliários e declarou ser de 30 léguas a extensão de suas terras, latifúndio que constituiu o morgado de Porto da Folha.
Este morgado envolvia territórios de Gararu, Curituba (Canindé do São Francisco) e Poço Redondo. Pela Lei estadual nº 554, de 6 de fevereiro de 1954, Porto da Folha perde 64% de sua área para constituir os territórios dos municípios de Curituba e Poço Redondo, criados pela Lei estadual nº 525-A, de 23 de novembro de 1953. Quando de sua criação, a área estimada de Poço Redondo era de 952 km². Com posterior demarcação territorial, o município passou a ter 1.119 km², a maior do estado de Sergipe.
Até alcançar sua emancipação, Poço Redondo teve um longo percurso de povoamento. O sertão inóspito, temido e desconhecido foi, com o passar dos anos, chamando para si verdadeiros desbravadores. Assim, das margens do Velho Chico e das entranhas e vastas do semi-árido, forma surgindo veredas, estreitos caminhos em busca dos melhores locais para fixação dos primeiros povoadores.
Estes preferiram as margens do riacho Jacaré, afluente do São Francisco. Mas, diferente deste, temporário, quase sempre seco, contando apenas com a possibilidade de abertura de cacimbas como meio de aliviar a sede dos animais. Assim, nas proximidades do Jacaré é que verdadeiramente surgiu a primeira povoação, denominada Poço de Cima, originária de uma propriedade do Sr. Luis da Cupira. Neste local foi construída a primeira igrejinha da nascente vila.
Com a chegada de outros habitantes, as moradias deixaram de ficar localizadas somente no Poço de Cima. Os novos moradores começaram a se instalar em um local um pouco mais abaixo, mais plano e mais próximo às margens do riacho Jacaré, de modo que a população e o gado pudessem aproveitar com mais facilidade da água das cacimbas.
Assim, distando cerca de três quilômetros do Poço de Cima foi fundado o Poço de Baixo, cujo nome oficial passaria a ser Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo. Mas por que Poço Redondo? É corrente a história que ao longo do Jacaré, bem ao lado da nova povoação, existiam muitas cacimbas abertas, existindo uma maior, sobressaindo-se às demais e que, por isso mesmo, com maior quantidade de água, mesmo que salobra. E quando alguém era perguntado onde iria dar água aos animais, logo respondia: Vou pra o poço redondo. Daí, com o costume criado, o lugar ficou também sendo chamado de Poço Redondo, nome oficializado até hoje.
Com o decorrer dos anos, o crescimento vegetativo dos seus primeiros habitantes, ajudado pela chegada de forasteiros das mais diversas regiões nordestinas – fugindo de uma seca para outra, fugindo de uma desavença, procurando lugar mais tranquilo e pacato para viver -, torna Poço Redondo um lugar de maior visibilidade, mais promissor, "andando com as próprias pernas", como diriam os moradores. Já havia o mercado, os feirantes, os caçuás cheios de um tudo, uma vida comercial que daria sustentação ao lugar.
Entretanto, tais fatores sempre foram dificultados pelas prolongadas estiagens que castigavam e ainda castigam toda a região. Entretanto, se por um lado esta triste característica sertaneja serve como sofrimento para toda a população, por outro lado é o fator sertão que beneficia historicamente o município.
Conta-se que foi Antonio Conselheiro, nas suas andanças missionárias pelo Nordeste, que abriu a estrada que dá acesso ao povoado Curralinho, às margens do São Francisco. Foi Poço Redondo o lugar que mais filhos deu ao bando de Lampião; cerca de 26 segundo os pesquisadores. E foi no seu território que a 28 de julho de 1938, na Gruta do Angico, morreram Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros. É ainda no município, nas proximidades do povoado Santa Rosa do Ermírio, que está localizado o Morro da Letra, cujas inscrições pré-históricas, em coloração avermelhada, ainda hoje não foram decifradas. Importante ainda é a Serra da Guia, com 750m de altura, na divisa com o município de Pedro Alexandre, na Bahia, e que é o ponto mais elevado do estado de Sergipe.
Tais aspectos demonstram bem a riqueza de um sertão sofrido e a luta do seu povo para enfrentar as dificuldades. E foi graças à incrível capacidade de resistência de sua gente em busca de dias melhores que, desde a metade do século passado, todos lutavam para atingir as condições mínimas exigidas pela Lei Orgânica dos Municípios para ser elevado à categoria de cidade, o que viria a conseguir a 23 de novembro de 1953. Nesta data, Poço Redondo é elevado à categoria de cidade e sede do município do mesmo nome, desmembrado do de Porto da Folha.
A instalação do município deu-se a 6 de fevereiro de 1956, com a posse conferida à sua Câmara de Vereadores, composta por cinco membros: Francelino dos Santos, José Emídio de Souza, Lourival Félix de Azevedo, Lucas Evangelista de Sousa e Oscar Feitosa Matos, e ao prefeito Artur Moreira de Sá, candidato pelo Partido Republicano – PR, todos eleitos em conturbado pleito a 03 de outubro de 1954.
Daí em diante, por ordem cronológica, foram eleitos os seguintes prefeitos: Eliezer Joaquim de Santa, Durval Rodrigues Rosa (quando tem o seu mandado cassado pela Revolução de 64 é substituído por Cândido Luis de Sá), Alcino Alves Costa, João Rodrigues Sobrinho (João de Durval), Alcino Alves Costa, Durval Rodrigues Rosa, Alcino Alves Costa, José Roberto de Barros Godoy, Ivan Rodrigues Rosa, Enoque Salvador de Melo, reeleito Enoque Salvador de Melo, Iziane Maria Oliveira de Alcântara Pionório e Enoque Salvador de Melo, este atual prefeito (dados acrescentados sobre os prefeitos).
Nos dias atuais, mesmo continuando com os problemas advindos com as constantes secas, Poço Redondo vai tentando superar os índices alarmantes de pobreza e analfabetismo. Contudo, somente o homem, através da educação e do trabalho, poderá reverter essa situação que comprovadamente jamais será resolvida através de promessas políticas".
Mais adiante citaremos os períodos de cada um dos prefeitos frente aos destinos da administração municipal, bem como abordaremos sobre os vereadores eleitos em cada legislatura, do mesmo modo que citaremos outros dados relacionados ao mundo político poço-redondense.
No ano de 2009, logo que surgiram os boatos sobre a possível extinção da Comarca de Poço Redondo (Projeto neste sentido já havia sido encaminhado à Assembléia Legislativa, retirado posteriormente pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, Desembargador Roberto Porto, diante das repercussões negativas que o caso gerou, bem como pelas pressões da sociedade civil e da classe política sergipana), escrevi um artigo intitulado "Pasmem, Poço Redondo existe!", publicado no Jornal da Cidade em 19/07/2009, onde fiz lembrar a todos os leitores, sergipanos e brasileiros, não só a existência de Poço Redondo, mas principalmente sua importância histórica, geográfica, cultural e econômica, dentre outros aspectos.
Pela clareza no enfoque abordado e pela receptividade que recebeu e continua recebendo, transcrevo o referido "Pasmem, Poço Redondo existe!":
"Os mais velhos diziam e todos os relatos históricos confirmam que nas longínquas brenhas do sertão sergipano, no mais escaldante recanto do semi-árido de meu Deus, por entre serras, na vastidão dos mandacarus e xiquexiques, bem nas ribanceiras do Velho Chico, um dia surgiu um andante, depois mais um e mais um, que fixando-se no lugar construíram as primeiras moradias daquele ermo distante, que foi fazenda, vilarejo, povoado e mais tarde cidade. A esse lugar deram o nome de Poço Redondo, como referência a uma grande cacimba existente no leito do riacho Jacaré – que circunda a cidade -, onde os vaqueiros iam saciar a sede dos animais. “Onde vai cumpade?”, e o outro respondia: “Vou lá no Poço Redondo dar água ao gado”. E assim ficou: Poço Redondo.
Através da Lei estadual nº 525-A, de 23 de novembro de 1953, Poço Redondo foi desmembrado do município de Porto da Folha e passou à categoria de cidade, sendo termo judiciário da comarca de Gararu. A efetiva instalação do município ocorreu em 6 de fevereiro de 1956, com a posse do prefeito eleito no pleito de 3 de outubro de 1954, Artur Moreira de Sá, e cinco membros da Câmara de Vereadores. Assim, depois de muitas lutas de suas lideranças políticas, a localidade passou a ser regida pela Lei Orgânica dos Municípios e pôde reivindicar dos poderes federais e estaduais as melhorias necessárias para sua gente profundamente sofrida.
Com o passar dos anos e a evolução da municipalidade brasileira, mesmo assim, Poço Redondo continuou com “aquele ar de antigamente”, mínimo desenvolvimento estrutural e o contínuo sofrimento do seu povo com a seca impiedosa. Não obstante tais aspectos, o município possui características que não podem deixar de ser observadas.
Geograficamente, é o maior município do Estado, com 1.212 km²; no seu chão está localizado o ponto mais elevado de Sergipe, que á Serra Negra (Serra da Guia), com 742 m; de sua terra brota a nascente do rio Sergipe, na Serra Negra; é o 11º município sergipano em números populacionais, com 29.879 hab. e o 17º em termos eleitorais, com 16.390 eleitores; conta com o maior número de assentados do MST em Sergipe; foi cenário, em 1975 e 1976, respectivamente, dos cinedocumentários para o Globo Repórter “O Último Dia de Lampião” (de Maurice Capovilla) e “A Mulher no Cangaço” (de Hermano Penna) e do premiado filme “Sargento Getúlio” (em 1985, de Hermano Penna); foi o município nordestino que mais contribuiu com cangaceiros para o bando de Lampião, num total de 23 poço-redondenses, entre homens e mulheres; e foi em suas margens ribeirinhas, na Gruta do Angico, que Lampião e Maria Bonita, juntamente com mais nove cangaceiros, foram massacrados pela volante alagoana em 28 de julho de 1938, pondo fim ao ciclo do cangaço organizado.
Como observado, por mais que autoridades governamentais, estudiosos e pesquisadores, magistrados, jornalistas e todos “aqueles estranhos ao mundo sertanejo” tentem ou queiram menosprezar a terra e o seu povo, verdade é que Poço Redondo possui história, geografia, economia, atratividade turística e, o que é mais importante, dignidade na humildade, dignidade na luta e dignidade no caráter de sua gente.
Alertar sobre isso é uma necessidade imperiosa, vez que, como dito acima, o município quase sempre é esquecido pelas autoridades constituídas e por aqueles que formam a opinião pública. Somente nas tragédias e nas calamidades é que se torna alvo das políticas assistencialistas (no pior sentido da expressão) governamentais ou ganha volumoso e sensacionalista espaço na mídia.
Quem não se lembra, por exemplo, do ônibus que incendiou e explodiu na pista que leva ao povoado de Santa Rosa do Ermírio, matando mais de vinte pessoas; da ponte sendo destruída pelas águas do riacho Jacaré, causando mortes ao longo do seu leito; da garotinha da Barra da Onça, bonita e de aspecto triste, da fotografia de Sebastião Salgado; da mãe de família chorando porque não tinha água nem alimentos para dar aos filhos; da farsa montada para mostrar pessoas comendo palma numa dessas estiagens passadas; enfim, da necessidade de mostrar que quanto pior melhor?
Outros fatos podem ser acrescentados para demonstrar o menosprezo e a falta de respeito pelo município e sua gente, fatos que de fininho saem do contexto local e alcançam vertentes muito mais amplas. Basta citar mais uns três ou quatro exemplos: frequentemente os repórteres das televisões afirmam que a Gruta do Angico está localizada no município de Canindé do São Francisco; Poço Redondo é o único município do Estado que não possui uma rua sequer com seu nome em Aracaju, e isto é verdade que já foi comprovada pelos Correios; a localidade já sediou três agências bancárias (Banco do Brasil, do Nordeste e do Estado de Sergipe) e atualmente só conta com uma agência do Banese, e mesmo assim com a negativa perspectiva de fechar suas portas; e, por último, o fato mais recente que se propagou, quando a presidência do Tribunal de Justiça do Estado queria por que queria extinguir a comarca do município (projeto neste sentido chegou a ser enviado ao legislativo estadual) sob a alegação de que o lugar é muito pobre, distante da capital, as carências são visíveis em todos os sentidos e os digníssimos magistrados em início de carreira simplesmente não querem trabalhar lá. Em síntese, o TJ-SE vê Poço Redondo como um estorvo, como uma ovelha negra que não necessita da tutela judiciária estatal. Discriminação, preconceito, aversão ao sertanejo.
Mas tudo bem, os sertanejos de Poço Redondo são suficientemente fortes para perdoar tudo isso. Eles só querem o que lhes cabe de direito; só almejam possuir o suficiente para viver com dignidade; só querem que os outros não queiram eliminar a felicidade construída no dia-a-dia, molhados de lágrimas, queimados de sol. Ademais, colhendo das palavras do Eclesiastes, os sertanejos sabem que para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus: há tempo para plantar e tempo para colher; tempo para chorar e tempo para rir; tempo para viver com orgulho de ser tão sertão".


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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