SUBIR E CHUTAR A ESCADA (E quando for descer?)
Rangel Alves da Costa*
Pensando bem, o mundo apresenta situações muito simples que se tornam instigantes se houver um olhar mais aprofundado em cada realidade presenciada. Como exemplo basta lembrar a existência das seguintes situações: pessoas que subiram tanto que vivem quase nas nuvens, pessoas que vivem tentando subir em qualquer coisa e pessoas que se contentam com a firmeza do chão.
As mesmas situações poderiam ser vistas de outra maneira: pessoas que estão lá em cima e nem lembram que existem pessoas embaixo, pessoas que vivem olhando pra cima e se descuidam do existente embaixo e pessoas que estão embaixo e que por isso mesmo conseguem ver ao redor, lá no alto e tudo.
Incrível é a vida, incríveis são as pessoas que pensam que vivem nessa vida. Digo que pensam porque suponho não ser admissível pessoas conscientes não atentarem para o fato de que viver com humildade, respeitando os outros, vendo o próximo como aquele que amanhã poderá lhe estender a mão, nada mais é do que viver no substrato da essencialidade da vida: viver em comunhão porque o verbo da vida somente se conjuga na primeira pessoa do plural.
Pessoas existem que o senso de ser ser humano há muito que se perdeu. Mesmo que tenham tido formação familiar, ao colocarem os olhos diante da possibilidade de se ter tudo a todo custo esquecem num instante as velhas e sempre essenciais lições: viver com dignidade e amar ao próximo como a si mesmo! E esquecem ou não querem lembrar das lições porque não mais lhes interessa o próximo, senão para que esse próximo seja seu escravo, seu submisso, sua vítima.
Certamente se negarão a lembrar o que seja respeito, perdão, convivência, diálogo, amizade, união, ajuda, reconhecimento. Nem de longe lembrarão o que seja amor. O amor que cultivam é somente ao poder, ao lucro, à riqueza, à ganância, aos bens materiais. Felicidade é acumular bens, ser feliz é conviver com os bens. As outras pessoas não existem!
Estes conhecem muito bem o que seja impor aos olhos dos humildes suas riquezas, pois são vaidosos; o que seja colocar seus interesses acima de tudo e contra todos, pois são egoístas; o que seja agir com autoritarismo e arrogância, pois são prepotentes; o que seja tratar os outros com crueldade e brutalidade, pois são desumanos; o que seja desejar o pior para os outros, pois são maldosos; o que seja ver no outro sempre um inimigo, pois são covardes; o que seja ser infiel consigo mesmo e com os mandamentos divinos, pois são pecadores.
Pessoas desse tipo não medem esforços para subir na vida. Para alcançar o topo da glória, do poder e da riqueza, primeiro deixam de enxergar quem está ao seu lado e é seu igual, depois fazem dos mais humildes um meio para subir cada vez mais alto, e numa última instância buscam se firmar no ponto mais alto da glória vergonhosamente conseguida e procuram esquecer que quem está lá embaixo algum dia existiu. Conseguiram o que quiseram, mesmo subindo pela escada do ombro dos outros, agora o mundo é somente deles.
Esquecem, porém, que a vida não perdoa quem transgride seus princípios e chama para saldar o débito todo aquele que vive na soberba fazendo-se de esquecido. Quando chegar o tempo das ilusões se acabarem, de não restar mais nada do que se pensou ter construído, surge a necessidade de retornar ao chão para tentar recomeçar.
E os olhos que não enxergavam o passado, que não avistavam mais quem se esforçou para que tenha subido ali, vão ter que mirar o que não desejam. A face vai implorar, gritar, pedir por tudo na vida que alguém coloque uma escada para que possa descer do pedestal.
Ocorre que o tempo corrói a madeira da escada dos impuros que um dia têm que descer, fazer o caminho de volta. E como não há mais escada, não há mais ombro, não há mais degrau, o homem vai caindo em queda livre. E estendido no chão, vai ser ainda menor do que aquele que um dia humilhou.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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