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terça-feira, 31 de agosto de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 92

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 92

Rangel Alves da Costa*


Quando no outono as folhas antes verdejantes vão perdendo suas forças e suas cores, entristecendo e tornando-se amareladas, ocres, acinzentadas, para depois ficar à mercê de qualquer vento que sopre, igualmente é o homem nos instantes mais cruéis do abandono e da solidão. Muitas vezes só resta mesmo esperar a ventania para lhe fazer pelos ares sem destino.
Os dias e as noites continuavam cada vez mais difíceis para Lucas. Durante os dias com a certeza de que os seus planos, objetivos e metas estavam sendo ameaçados de ter prosseguimento, pois rareavam cada vez mais as pessoas que frequentavam as atividades do barracão e mesmo assim não podia dar conta do que era preciso fazer. Durante as noites porque repensava e refletia as dores dos dias, causando insônias e pesadelos. E nisso tudo, se dava cada vez mais conta de que as águas eram cada vez mais fortes e cruéis ao pé do rochedo.
Agarrado cada vez mais na esperança, cada vez mais fazia das orações e da busca de conforto nas palavras da bíblia um verdadeiro ofício de quase todos os momentos em que estava sozinho ou lutando consigo mesmo.
“Não entregues tua alma à tristeza, não atormentes a ti mesmo em teus pensamentos. A alegria do coração é a vida do homem, e um inesgotável tesouro de santidade; a alegria do homem torna mais longa a sua vida. Tem compaixão de tua alma e torna-te agradável a Deus, e sê firme; concentra o teu coração na santidade, e afasta a tristeza para longe de ti; pois a tristeza matou a muitos. E não há nela utilidade alguma, A inveja e a ira abreviam os dias, E a inquietação acarreta a velhice antes do tempo. Um coração bondoso e nobre, banqueteia-se continuamente, pois seus banquetes são preparados com solicitude” (Eclesiástico 30, 22-27).
"Vendo aquelas multidões, Jesus subiu à montanha. Sentou-se e seus discípulos aproximaram-se dele. Então abriu a boca e lhes ensinava, dizendo: Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados! Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra! Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados! Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus! Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós.Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma montanha nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa. Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus" (Mateus 5, 1-16).
"... tu, que eu trouxe dos confins da terra, e que fiz vir do fim do mundo, e a quem eu disse: Tu és meu servo, eu te escolhi, e não te rejeitei; nada temas, porque estou contigo, não lances olhares desesperados, pois eu sou teu Deus; eu te fortaleço e venho em teu socorro, eu te amparo com minha destra vitoriosa. Vão ficar envergonhados e confusos todos aqueles que se revoltaram contra ti; serão aniquilados e destruídos aqueles que te contradizem; em vão os procurarás, não mais encontrarás aqueles que lutam contra ti; serão destruídos e reduzidos a nada aqueles que te combatem. Pois eu, o Senhor, teu Deus, eu te seguro pela mão e te digo: Nada temas, eu venho em teu auxílio" (Isaías 41, 9-13).
E depois disso Lucas sempre se fortalecia e procurava esquecer as angústias, firmar o seu passo e seguir seu destino. As coisas não podiam mais continuar como estavam. Aquele silêncio todo que rondava e tomava conta do lugar não lhe fazia bem. Não gostava de ouvir o barulho das pessoas trabalhando no novo barracão, mas sim de ouvir as vozes, os murmúrios e os gritos daqueles que sempre estavam fazendo alguma coisa no outro barracão, na praça da cruz, nos arredores.
Mas onde estariam os idosos, os adultos e os jovens que queriam estudar; onde estariam os artistas com seus violões, suas gaitas, seus tambores e pandeiros, suas sanfonas e zabumbas; onde estariam os artesãos com suas mãos catando os bilros, dando ponto após ponto, tecendo na colcha a paisagem de linhas coloridas; onde estavam as cozinheiras com seus cozidos e sarapatéis, as merendeiras com seus lanches e sucos; onde estariam as beatas e fiéis com suas bíblias, seus símbolos, suas crenças, seus temores, suas reverências, seus crucifixos; onde estariam os estranhos com seus olhares, seus passos ao redor, suas vontades e suas distâncias; onde estariam os amigos que restavam; onde estariam os meninos, cadê os meninos, onde estão os meninos, sumiram os meninos?
Onde estaria isso tudo? A vida ali estava um vazio. Seria a vida um vazio? Como preencher novamente o vazio da vida?


continuar...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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