A POBREZA LINDA E DE OLHOS AZUIS
Rangel Alves da Costa*
Não há nada mais bela, linda e encantadora, verdadeiramente atraente e sedutora, do que a pobreza em determinados lugares e regiões, principalmente no sertão. Diferentemente do que os sulistas imaginam e a imprensa alega e espalha, nas terras áridas nordestinas aquilo que se denomina pobreza é mais, muito mais, do que uma moça linda e de olhos azuis esverdeados. É a própria deusa da beleza e da sedução.
Ora, onde há administrações municipais, movimentos de trabalhadores sem terra, pastorais disso e daquilo, igrejas muito mais camponesas do que religiosas e pessoas que fazem dos movimentos sociais e da exploração da religiosidade quase fanática do povo carente e sofrido um meio de vida, não há que se falar em pobreza conceitual, aquela verdadeira e da fome e da carência de tudo.
Pelo contrário, há apenas que se falar numa moça bonita que tem de ser vista aos olhos de todos. Nesse contexto, a pobreza é pincelada de tal forma que deixa de expressar seus horrores, seus olhos de morte, suas mãos ossudas e suas desesperanças para se transformar num espelho onde está refletida uma imagem tão irreal que choca e confunde quem não é sertanejo.
Tal fato somente ocorre porque pessoas, movimentos e entidades tratam a miséria humana como uma coisa verdadeiramente maravilhosa. Não procuram entender a pobreza nem combatê-la; conhecem suas causas e consequencias, mas não se engajam para sua diminuição; veem pessoas famintas, chorando e morrendo e deixam tudo como está porque a pobreza não pode acabar. Pobreza é também riqueza para muitos!
Não pode acabar porque ela é linda e tem olhos azuis esverdeados, porque muitas pessoas são apaixonadas por ela, porque muitos deixam que outros morram por causa dela para sobreviverem a partir dela. E quem desejaria matar a moça maravilhosa e sedutora, virgem por toda a vida, e que inocentemente vai sustentando dezenas e milhares de pessoas, vai alimentando os mesmos discursos de vítima de sempre, vai enriquecendo os do asfalto e da cidade enquanto os da terra morrem de fome?
A moça bonita e de olhos azuis esverdeados é, por sinal, muito caridosa. Todos precisam dela para fazer política, para elaborar projetos que nunca são concluídos e praticados, para arrecadar dinheiro dos órgãos públicos, para fazer pé-de-meia com as verbas do estado, para pregar ideologias partidárias, para legitimar ações que já são ilegítimas pelos seus próprios agentes, para falsear uma preocupação da igreja católica e de entidades a esta vinculadas, para que remediados fiquem fortalecidos, para que ricos fiquem cada vez mais ricos, para que ladrões roubem oficialmente e para que pobres e necessitados tenham cada vez mais necessidades.
Ora, a necessidade do faminto, do desnutrido, do indigente, do doente, é a mola motor da perpetuação da moça linda e de olhos azuis esverdeados. Quem haveria de acabar de vez com aquela que lhe dá sustento e provento? A pobreza deve continuar existindo - e cada vez mais terrificante, faminta e amedrontadora – porque ela está sempre recoberta por um véu de fantasia e de sedução e jamais é vista como uma coisa feia e deplorável. É como o dono do circo que só diz ao palhaço que seu filho morreu depois do espetáculo.
Pelos sertões, todos os dias, apaixonados e enamorados fazem fila para ver ao menos a moça linda passar. Olham para cima e o sol está cada vez mais brilhante e ardente; olham ao redor e os pastos estão esturricados e o gado e pessoas morrendo; olham mais adiante e nenhuma esperança na barra do crepúsculo. A seca toma conta de tudo; a fome se alastra; os meninos choram com fome e mãos são erguidas em oração e em busca de pão. Que coisa linda é isso tudo, pois é disso que a moça linda se veste e se pinta.
É disso que muitos vivem. Amam fervorosamente a moça linda enquanto os outros morrem à míngua. Verdade é que a pobreza é um negócio. Verdade também que muitas vezes essa moça linda se deixa prostituir por qualquer vintém.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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