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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

MISTERIOSO MISTÉRIO (Crônica)

MISTERIOSO MISTÉRIO

Rangel Alves da Costa*


Mistério leva a vida mais misteriosa do mundo. Todo mundo sabe que existe, que está ali, que a qualquer momento pode ser desvendado, mas ele insiste em ficar escondido atrás do invisível, das suposições, do véu da dúvida. Só o mistério conhece a si mesmo, e qualquer outro que insinue isso ou aquilo não estará fazendo mais do que presunções. Misterioso é o mistério, pois.
Mistério se esconde por trás de significados que também não dizem nada sobre a sua verdadeira feição, pois dizem apenas que mistério é tudo aquilo que tem causa desconhecida ou é incompreensível, inexplicável; enigma, segredo instigante; algo secreto, escondido, guardado atrás de inúmeras indagações. Assim, misterioso é aquilo que existe para desafiar o poder de compreensão e entendimento das pessoas.
Ocorre que mistério ficou ainda mais misterioso quando, sem ninguém saber as razões ou motivos, resolveu de repente que em determinada data a noite seria o dia e o dia seria a noite. Decidiu ao seu modo, sem dar satisfação a nada e sempre no seu jeito oculto de agir. E de repente, assim que o céu se pôs e a lua já ia aparecendo no céu, fez surgir um cantar de galo e um ruminar de animais, acompanhado das primeiras alvas do alvorecer que nem podia duvidar que aquilo era um verdadeiro amanhecer.
Mas como pode ser amanhecer se a noite nem chegou, a lua não brilhou, ninguém jantou, ninguém dormiu, ninguém fez amor, ninguém sonhou e ninguém acordou? No relógio tudo continuava normal, com tempo passando ainda carregando aquelas horas cansadas do dia; o calendário não havia envelhecido; a televisão continuava com a programação noturna como se nada tivesse acontecido. Só o tempo, esse inexplicável tempo, é que não se mostrava noite, mas sim um dia que surgia bonito e parecendo ser ensolarado pelo resto de suas horas.
Algumas pessoas que estavam cansadas pelo dia de trabalho fatigante tinham sono e iam dormir e fechavam as janelas e as cortinas por causa da intensa claridade solar. Contudo, sem entender o que estava ocorrendo, a maioria das pessoas se espalhava pelas praças com medo de ficar em casa e o pior acontecer: para muitos o dia ia acabar, não tinha jeito, havia chegado a hora. Os pecadores enfim seriam todos descobertos através dos seus gritos doloridos. Os justos teriam uma morte silenciosa e calma, com rostos de agradecimento pela vida que tiveram. Era o que pensavam.
Nessa realidade de surpresa, incompreensão e medo, onde todos ainda se perguntavam pela noite que havia sumido, após o meio-dia, quando o sol brilhava com intensidade maior, eis que num segundo e tudo se apaga. Deu breu. E mais nada de luz, de calor, de sol, de nada, somente a escuridão retinta da noite e uma lua maravilhosa no céu, brilhando como se estivesse cheia dos raios tomados do seu rival.
Sem saber o que fazer, as pessoas correram amedrontadas e aos gritos para suas casas, atropelando umas às outras, temendo que daquela escuridão é que começasse a acontecer o pior, que era o fim do mundo. E em poucos instantes todos estavam embaixo de suas camas, tremendo e rezando, pedindo perdão a Deus e implorando por um acerto de contas menos doloroso.
Que as chamas da morte os levasse em fúria, mas dar conhecimento aos outros dos pecados aí era demais. Tudo, menos descobrir agora as coisas vergonhosas feitas durante anos e anos, as traições e toda imundície que só cabe em cabe corpos tomados pelo pecado. A morte sim, mas deixar que os outros soubessem disso jamais.
E de repente mais uma surpresa. Aqueles que tinham contas a pagar aqui na terra, os pecadores e os infiéis, todos sentiram que havia chegado o momento de contar a verdade, de pedir todos os perdões que tinham direito. E ninguém ouvia direito o que outro dizia, diante de tanto barulho de todo mundo pedindo perdão a todo mundo.
Cansados da penitência, porém aliviados pelas dolorosas confissões que fizeram, todos adormeceram esperando uma morte tranquila. Mas ninguém morreu não. Só que no dia seguinte todo mundo andava de cabeça baixa com vergonha um do outro.
Assim, um mistério acabou desvendando mistérios. Pelo menos aqueles mistérios haviam acabado, e uma infinidade de namoros e casamentos também...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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