EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 64
Rangel Alves da Costa*
Enfim, chegou à igreja. Bem que poderia já ter se avistado há muito com o amigo Padre Josefo, se não fosse aquele absurdo de delegacia. E quanto a esta instituição policial, órgão constitucionalmente previsto para atuar na defesa dos direitos dos cidadãos, sentia que ao menos aquela dali estava tão apodrecida, em termos de seriedade nos trabalhos dos seus agentes, quanto os grupos de traficantes e bandidos comuns que estavam por todos os lados. Não tinha mais dúvidas sobre isso.
Contudo, havia chegado ao templo da cristandade mas ainda não havia ultrapassado as suas portas, e ainda não faria isto dessa vez, pois ouviu sua irmã Lúcia chamando pelo seu nome bem próximo de onde estava. Ao se virar, como forma de confirmar aquela boa surpresa, teve o prazer de enxergar sua querida irmã acenando de dentro de um carro.
Voltaria mais tarde para falar com o sacerdote, mas de qualquer maneira teria uma conversa com o amigo naquele mesmo dia. Pelas seguidas dificuldades, voltando sempre quando praticamente já estava com os pés dentro da igreja, o diálogo deveria ser bem gratificante e produtivo. Assim desejou Lucas, enquanto caminhava para abraçar Lúcia.
Depois dos cumprimentos, ela pediu ao seu esposo que seguisse com o veículo até a propriedade, pois desejava ir caminhando com o irmão até lá. O rapaz disse que preferia ir logo visitar os seus familiares, e somente depois é que seguiria até o lugar. E então os dois seguiram juntinhos. Ela colocando o braço no braço do irmão, parecendo um belo casal de enamorados.
Quem viu essa cena e ficou um tanto estremecida foi Ester, que por um acaso estava na casa de uma amiga no outro lado da rua. Se fosse mais de perto conheceria Lúcia imediatamente, mas de longe era qualquer mulher que certamente tinha muita facilidade em se aproximar dos braços de Lucas.
Quem seria aquela que contava com o prazer de segurar no braço daquele rapaz, ficava imaginando a futura médica. Ora, mas estou pensando asneiras, pois ele é apenas meu ex-namorado, continuava cismando a menina. Pensando bem, ele até que pode não estar lembrado, mas eu continuo sendo a namorada dele, pois nunca terminamos oficialmente. Se ele está com outra é porque está me traindo, e se está fazendo isso tenho que tomar satisfações. Mas deixe pra lá mulher, é melhor deixar pra lá, de modo a não incendiar de vez o coração. Tudo isso Ester imaginando de uma hora para outra, só por ter visto Lucas com outra mulher. Depois vou procurar saber direitinho quem é aquela zinha. Mas deixe o rapaz em paz mulher, pois você não abre de vez esse coração e fala a verdade pra ele, e agora quer se intrometer na vida dele. Ademais, hoje em dia as pessoas nem perguntam mais se o outro quer namorar nem avisa quando vai terminar. Começa e acaba sem ninguém precisar saber, principalmente os namorados. Ora, mas isso é com os outros, que não se amam de verdade, e não com a gente, que se ama de verdade desde criança. Se é assim, então crie coragem e vá, chegue perto dele, olhe bem nos seus olhos e diga simplesmente a coisa mais bonita e verdadeira do mundo, que é a expressão real do amor. Basta dizer: eu ainda te amo Lucas. E pronto. E seria bom que ele dissesse que não sente mais o mesmo, que não me ama mais, que é pra eu deixar de ser besta. Mas eu vou esquecer ele, eu juro. Quando eu quero faço de um jeito que ele nem percebe, como nas vezes que estive no barracão e nem me balancei pra ele. É isso, tenho que ser durona, bem durona, cada vez mais difícil pra ele. O problema é se ele me der um beijo, o que é que eu faço? Quem visse Ester nesse imaginário todo, diria que estava enlouquecendo. Até a amiga perguntou se estava com algum problema. Mas não, nada disso. Era somente o amor dando os seus sinais.
Enquanto isso, os irmãos seguiam adiante. Era uma forma de caminharem novamente por aquela estrada onde tanto caminharam juntos, ora para irem à escola, ora para fazerem uma coisa ou outra, mas sempre a pedido dos pais. Começariam também a colocar os assuntos em dia, a matar saudades, a reviver os tempos, a ser novamente uma família. Uma família formada praticamente por dois irmãos. Ela morando noutra cidade com o esposo, e ele naquela luta diária para sobreviver.
- Mas você está muito bem meu irmão, até mesmo parecendo que viver sozinho lhe fez bem em tudo. E esse coração como vai, já colocou algum rabo de saia casa adentro? – Perguntava sorrindo, e continuou – Só queria que você arranjasse uma namorada tão inteligente e séria quanto você. Você merece uma mulher jovem e bela e que ame de verdade. Hoje em dia é difícil, mas sei que você vai conseguir. Tem visto aquela sua namoradinha de infância, a Ester? Soube que ela faz estágio num hospital na cidade onde moro e é uma excelente médica, com um futuro brilhante, Quando soube disso logo lembrei de você...
- Lúcia, acho que temos coisas muito mais importantes para falar. Namoro, coração, paixão, é tudo que se faz no seu tempo certo. Essas coisas fazem parte das circunstâncias e consequencias da vida, mas não são necessariamente primordiais. Mas vamos falar, por exemplo, do meu sobrinho. Quando é que ele chega?
E caminhavam felizes, e mais tarde cuidariam de assuntos realmente muito mais importantes.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário