SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 19 de agosto de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 80

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 80

Rangel Alves da Costa*


Lucas pediu aos meninos que voltassem para suas casas e ao mesmo tempo prometeu que só arredaria o pé dali quando o tempo estivesse totalmente estiado e não tivesse mais nenhum sintoma da doença. Somente sob tais condições eles concordaram em retornar, aliado ao fato de acreditarem na palavra do amigo.
Assim, Lucas se trancou em casa e se pôs na leitura daquilo que já não fazia há algum tempo, que eram as palavras bíblicas e suas sempre convenientes e oportunas lições.
"Enquanto viveres, ninguém te poderá resistir; estarei contigo como estive com Moisés; não te deixarei nem te abandonarei. Sê firme e corajoso, porque tu hás de introduzir esse povo na posse da terra que jurei a seus pais dar-lhes. Tem ânimo, pois, e sê corajoso para cuidadosamente observares toda a lei que Moisés, meu servo, te prescreveu. Não te afastes dela nem para a direita nem para a esquerda, para que sejas feliz em todas as tuas empresas. Traze sempre na boca (as palavras) deste livro da lei; medita-o dia e noite, cuidando de fazer tudo o que nele está escrito; assim prosperarás em teus caminhos e serás bem-sucedido. Isto é uma ordem: sê firme e corajoso. Não te atemorizes, não tenhas medo, porque o Senhor está contigo em qualquer parte para onde fores. (...) Obedecer-te-emos em todas as coisas, assim como obedecemos a Moisés. Somente desejamos que o Senhor esteja contigo, como esteve com Moisés! Todo aquele que for rebelde às tuas ordens e não obedecer ao que lhe mandares, será morto. Mas sê forte e corajoso!".
Leu e releu as palavras do Livro de Josué.Se era de força que precisava, havia encontrado ali. Era forte e corajoso, mas teria que mostrar ainda mais atitude na sua força e coragem. Não para a valentia barata e desnecessária, para a atitude impensada, mas sim para reprimir as adversidades e adversários com a resposta da continuidade na luta e sem demonstrar fraquejamento ou medo em qualquer instante.
Ora, se o inimigo quer subjugar, não se pode esperá-lo de costas, de mãos atadas nem ajoelhado. Se ele vem com a ameaça, que tenha na mesma medida a coragem do outro; se ele vem para ferir, que sinta que o outro está protegido; se ele vem para eliminar, que sinta que o outro só responderá ao chamado de Deus para sair dessa vida.
Estava ansioso para a chuva dar uma trégua, ao menos por aqueles dias, pois tinha muitas coisas para resolver. As atividades no barracão estavam paradas desde que começou a chuvarada, as obras do novo barracão não podiam ir adiante pelo mesmo motivo. Tinha que resolver o problema da proibição imposta de os meninos estarem ali ajudando, fazendo uma coisa e outra. Não faltariam pessoas para levar adiante os projetos até então desenvolvidos por eles, só que havia o problema de escolher indivíduos com as características exigidas diante dos objetivos propostos. Ademais, sabia que não era fácil que as pessoas já acostumadas com os meninos aceitassem sem reclamações os novos auxiliares.
Teria também que encontrar com o Padre Josefo. Andava sumido o homem, sem andar por aquelas bandas já há alguns dias. Na chuva, talvez achasse mais confortável estar alimentando a sua fé na própria sacristia e recebendo os fiéis em meio aos santos e anjos. Na verdade, não era o sacerdote que deveria se preocupar em fazer-lhe visitas, mas sim ele mesmo que vinha esquecendo de retribuir as muitas e muitas passagens do sacerdote pelo barracão. Tinham muito que conversar. Ele precisava tirar dúvidas e pedir orientações sobre muitas coisas. Iria perguntar, por exemplo, se havia algum problema em mandar construir uma pequena capela ali nas proximidades da praça da cruz.
Nesses pensamentos, com a chuva continuando a cair lá fora, tentou adormecer por alguns instantes ali mesmo no sofá. Não conseguiu, pois logo lhe surgiu à mente a lembrança de ter visto raízes e brotos nascendo na cruz de madeira. Do mesmo modo, lembrou dos animais encontrados dentro do barracão, numa cena misteriosa que desafiaria qualquer explicação.
Ora, se tais fatos fossem produzidos na mente pela situação de enfermidade que se encontrava, as mesmas imagens não poderiam voltar agora com tanta nitidez. Mas os meninos não viram animal algum, mas apenas uma vela acesa em cima da mesinha. Esta vela também era um mistério. O que significaria isso tudo? Ficou indagando Lucas, de olhos abertos voltados para o telhado.
Olhando para cima, percebeu que uma folha seca de árvore vinha caindo lentamente do telhado em sua direção. Sentou rapidamente e esperou que a pequena folhagem marrom chegasse até suas mãos. Segurou-a e nela estava escrito: "Depois da chuva virá ainda a ventania".


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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